Um dos últimos documentários de Eduardo Coutinho é uma experiência ousada,
provocadora e rara. Isto porque “Um Dia na Vida” trata-se do registro de Coutinho
da programação da televisão brasileira.
Concebido como fonte de pesquisa para outro filme “Um Dia na Vida” tomou
vida própria e foi quase que condenado ao anonimato devido a questões de
direitos de imagens. Mas se você me pergunta o que há de tão provocador e
ousado em uma simples registro aleatório da programação. E eu lhe digo que a
resposta está na intenção de Eduardo Coutinho e na sua proposta de registrar e
constatar a “qualidade” da nossa TV. A forma com a qual Coutinho seleciona e
monta o que retratar(pois é obvio que houve uma edição de material para caber na 1h e35mn de filme) expõe
um alegorismo e voyeurismo nosso de cada dia.
É difícil saber o que o diretor pretendia ao elaborar esta experiência fílmica
de gosto duvidoso (pelo seu conteúdo puramente asfixiante na maioria do tempo e
não pela proposta enriquecedora de Coutinho em compreender este meio de comunicação
universal que é a televisão. Há um despudor na seleção do material seja pelas
pegajosas e insistentes ações de merchandising que toma conta da nossa TV,
pelos programas sensacionalistas e policiais ou por aqueles de cunho religioso
que se proliferou como água nos últimos anos e que tenta a todo o custo “doutrinar”
o telespectador.
O fato de Eduardo Coutinho um documentarista que há meu ver, flertou com
outras mídias em seus trabalhos(“Jogo de Cena” utiliza a dramatização teatral e
“Edifício Master” se aproxima da estética confessional dos Realitys Shows). Nota-se
uma necessidade do cineasta em compreender esse mecanismo poderoso que é a
televisão ao mesmo tempo em que fica estapafúrdio na sua constatação do
material exibido.
O telespectador
embarca em uma “Bad Trip” televisionada que pode ser comparada a sensação de prisão
que temos ao ler 1984 de George Orwell pela constatação de somos reféns de um “sistema”.
Sistema enganador, cultural, non-sense ou burro como a banda Titãs canta na
música “Televisão” do álbum homônimo.
“Um Dia Na Vida” foi fruto de uma pesquisa de Eduardo Coutinho fez para
um documentário nunca realizado, acredito que o diretor percebeu o potencial
que tinha nas mãos ao conferir o material e assim viu a possibilidade de
estreitar relações e dialogar com o panorama da TV atual. Uma experiência fílmica riquíssima, é difícil apontar qual a real intenção de Eduardo Coutinho ao realizar esse filme e infelizmente nunca vamos saber ao certo, por razão de seu recente falecimento(motivo dessa crítica homenagem) mas, acredito que o cineasta gostaria de provocar uma reação em torno do que consumimos artisticamente.
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