Em dado momento de “BR 716”, o protagonista Felipe(Caio Blat) diz algo como “Eu não sei o que vivi ou imaginei”. É bem assim que se desenrola “BR 716”, o novo filme de Domingos Oliveira. Como uma doce e intensa lembrança, com todos os ingredientes contidos nessa deslumbrante memória convertida em um belo filme.
Espécie
de auto ficção sobre a juventude de Oliveira nos anos 60, onde tudo o que tinha
era um belo e espaçoso apartamento na RUA Barata Ribeiro em Copacabana, amigos,
amores e o desejo de ser escritor, “BR 716” é um filme festa. Intenso, fugaz,
nostálgico, vivo e atual, muito atual.
Como
todo “filme festa”, BR 716” é dotado de intensidade e agilidade em todos os
momentos. Seus personagens aproveitam as famosas festas de Felipe(Blat) para
viver o momento como se fosse o ultimo. Nesse terreno, os personagens vivem
tudo a flor da pele, a plenitude do momento. Amores, paixões, ambições,
desavenças e ideologias, sejam elas políticas ou artísticas. O Longa, dotado de
uma vivacidade impressionante, reflete bem o “Seize The Day” e sua filosofia
hedonista ao máximo. Constituído de pequenos fragmentos, "BR 176” se revela um
mosaico, um pequeno retrato daqueles personagens essencialmente e
excessivamente bêbados,envoltos naquele terreno, onde vivem, sentem e aproveitam
cada segundo como se fosse o ultimo. Como se fosse preciso viver cada momento,
de cada festa e eternizar lós. Como se os momentos fossem pó que escorrem da
palma da mão.
Domingos
Oliveira é do tipo de artista que não separa o amor da arte, o trabalho da
vida. Tal qual François Truffaut, Woody
Allen e Roger Vadim, só para citar alguns. E assim como os filmes destes acima
citados, “BR 176” exala paixão e poesia. Oliveira envolta seus personagens
essencialmente e excessivamente bêbados- de álcool e de paixão, numa atmosfera
de embriaguez e num mundo á parte. Mas
não confunda, “mundo á parte” com alienação. Pelo contrário, a revolução de
Felipe e sua turma se dá através da arte, da poesia, do amor e ás vezes, da política,
tal qual o jovem trio protagonista de “Os
Sonhadores”.
Envolto
nessa atmosfera de embriaguez do álcool e das paixões, Domingos Oliveira
instala e desnuda seus personagens com tamanha delicadeza e poesia, munido de
movimentos de câmera circulares e panorâmicos. Assim, o diretor nos proporciona
cenas de tamanho deleite. Como se o que estamos assistindo não fosse “real”,
como se estivéssemos em um sonho e pudéssemos acordar a todo o momento mesmo não
querendo. Oliveira capta a intensidade
de cada segundo da paixão que acomete seus personagens naquela atmosfera de
embriaguez, captando e revelando a beleza de seus corpos em uma dança, a beleza
de seus rostos, apostando em closes de tamanha beleza de seu elenco que
iluminam, dominam e encantam a tela. Como os personagens de Sophie Charlotte,
Glauce Guma(Melhor atriz coadjuvante em Gramado merecidamente. Pois interpretou
com brilhantismo uma personagem que vive na linha tênue entre a paixão e a
loucura), Maria Ribeiro, Gabriel Antunes e Álamo Facó. Maria, Caio,Sophie e
Álamo interpretam um duelo amoroso que nasce e morre, pra depois renascer em
outros rostos, pois assim são as paixões que nascem naquele terreno, naquela
atmosfera que é o apartamento de Felipe, fugazes e efêmeras. Mas que seja
eterno enquanto dure.
A
câmera de Oliveira capta esses momentos, tanto os da alegria esfuziante da
festa(os personagens passando por baixo de uma corda é impagável), quanto os de
entrega de amor, do sexo, da embriaguez, das discussões políticas e das crônicas
de bêbados de personagens totalmente embriagados, de álcool , de amor, de
filosofia e de poesia como um voyeur, um voyeur da própria festa, ali a
espreita observando a própria vida renascer diante da câmera, para depois
brotar na tela. Momentos estes que o cineasta captura com destreza e agilidade,
antes que sejam tomados por outros, como de fato sempre são. Tamanha a
quantidade de histórias, tramas, discussões e amores que nascem naquele
apartamento e nos arredores da onde os amores de Felipe e sua turma nos levar.
Domingos mergulha nas histórias de amores, ideologias, emoções e discussões filosóficas
sobre amor, arte e vida com tamanha intensidade para depois submergir em rápidos
e intensos mergulhos em seu baú de memórias que se tornou ficção.
O
Cineasta construiu um filme moderno, arrojado, intenso e vivo. Seus personagens
e seu filme são dotados de uma jovialidade, de um frescor e de um despudor
impressionantes. Só quem carrega a juventude na alma como Domingos Oliveira
poderia construir personagens e um filme tão intensos e frescos quanto esses.
A
vertente pela qual a obra de Domingos Oliveira é mais conhecida, a verborragia,
se faz presente em altas doses em “BR 716”. Poesias, filosofias, amores, declarações,
ideologias e lamentos saem da boca de seus personagens de forma entregue e
apaixonada, com um despudor característico que só o álcool, de preferência, whisky
bebido como água, a ressaca e as lembranças que restam da noite anterior no dia
seguinte podem proporcionar.
Oliveira,
um jovem na alma tal como é, não se contentou em retratar a juventude da sua e
de todas as épocas em “BR716”, o diretor também adotou escolhas estéticas que
podem ser consideradas modernas,arrojadas. A começar pela metalinguagem, o que
leva o espectador a questionar se aquilo que assistimos ocorre no “tempo fílmico
real”, é uma lembrança ou uma nostalgia rememorada?
Como Ernest Hemingway em “Paris
é Uma Festa”, aquela que Woody Allen representou tão bem em “Meia Noite Em
Paris” e que nos fez refletir em qual dos dois mundos gostaríamos de viver, a
nostalgia, sendo ela nada mais que a fantasia ou a realidade? A quebra da “quarta
parede” confere um tom confessional e aumenta a sensação de intensidade , despudor
e entrega daqueles personagens aos momentos e as paixões. A fotografia ora luminosa e solar, mas na
maioria do tempo, um preto e branco elegante, quase como um retrato se não
vivo, muito bem conservado. O uso de drones e câmeras no teto, a trilha sonora,
clássica e atemporal(que foi responsável por dar ao filme um dos seus 4 Kikitos
no Festival de Gramado).
Para
um cineasta como Domingos Oliveira, as experiências, os amores, servem de combustível
para a vida pra arte, já que não existe divisão entre arte e vida, amor e
trabalho. Assim, pudemos conferir as experiências
que serviram de inspiração para a criação de clássicos como “Todas As Mulheres
do Mundo”, um clássico do nosso cinema. Se o combustível foram essas experiências
retratadas em “BR 716’ ou pelo menos, uma fração fantasiosa delas, não é de se
espantar de que Domingos Oliveira tenha se tornado o melhor cineasta
brasileiro. Posso afirmar, mesmo sem ter visto “Infância”, que “BR 716”, é um
dos melhores filmes de Domingos Oliveira na presente década, na qual sua obra
passa por uma fase nostálgica, vide “Juventude”, “O Primeiro Dia de Um Ano
Qualquer”, “Infância” e este “BR 716”.
Se
a intenção de Domingos Oliveira era deixar o espectador com vontade de
participar de algumas de suas festas, de alguns de seus filmes , com vontade de
sonhar, posso dizer que o objetivo foi atingido com êxito, pois quero atuar nos
seus filmes, ser seu amigo e frequentar as suas festas, já que sonhar não custa
nada, como bem sabem os personagens deste filme. “BR 716” é como um sonho lúcido e bom, um
deleite do qual você nunca quer despertar.
Não
importa mais se o que é mostrado foi real, uma lembrança, pura ficção ou um
hibrido das coisas, a magia do cinema tornou tudo eterno. Corram para a sala de
cinema mais próxima.
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