Durante a sua fase Trovador Solitário as letras de Renato Russo se
destacavam por serem narrativas, contando histórias. Uma das maiores letras é Faroeste
Caboclo que conta a saga social de João de Santo Cristo e Maria Lúcia. Era
desejo de o próprio Renato levar sua mítica música ao cinema, agora “Faroeste”
finalmente chega aos cinemas pelas mãos do estreante René Sampaio.
Em “Faroeste Caboclo” (o filme) prima pela desconstrução da lendária música
da Legião. O diretor René Sampaio opta por desfragmentar a letra inserindo o mítico
personagem João de Santo Cristo (Fabrício Boliveira) no cenário brasiliense dos
anos 80.
Com um prólogo inicial com ares de Road Movie e esteticamente belo devido
a uma fotografia elegante e a um travelling bem orquestrado, o inicio já é
prejudicado pela narração maçante do protagonista. Nada, porém, que prejudique
o desenrolar do filme, mas é um elemento realmente chato.
Sampaio soube utilizar a energia da música (que já é cinematográfica por si
só) a favor dos belos takes. Ele faz mais, introduziu ao filme um vigor e uma
agilidade rítmicas além de induzir o suspense inerente à narrativa muito por
causa da trilha sonora composta por Phillipe Seabra vocalista da Plebe Rude (que
inclusive está presente na trilha).
O diretor alia a sua agilidade com flashbacks muito bem orquestrados que
aumentam a tensão dramática além de colocar o espectador pra dentro da ação do filme,
contextualizando as ações do protagonista João (Fabrício Boliveira).
O fato de João e Maria Lucia pertencerem a mundos opostos que se
convergem é exemplificado pela montagem de Marcio Hashimoto. A opção pela
montagem paralela conduzindo as narrativas dos protagonistas simultaneamente
até o surpreendente encontro.
A montagem também engrandece os flashbacks que já são muito bem dirigidos
de maneira rítmica e intensa pelo diretor René Sampaio. A opção do diretor pelo
corte seco e sobreposições de planos antes ou depois dos flashbacks é um
recurso que se revela bastante hábil à medida que revela ao espectador mais
sobre a trama e os personagens, além de que o diretor soube contrabalançar os altos
e baixos do protagonista bem como os lugares que ele frequenta.
A fotografia a cargo de Gustavo Hadba se destaca pelo forte granulado que
imprime as imagens reforçando assim os aspectos de “Road movie” e saga social
que o filme apresenta. A fotografia de Hadba destaca as belas imagens captadas
pelo diretor especialmente no que diz respeito ao travelling e planos aéreos que
o diretor utiliza. Só é uma pena que Hadba em algumas ocasiões opte por
escurecer demais determinadas cenas tornando os atores quase invisíveis.
O roteiro de Marcos Bernstein e Victor Altherino desconstrói a música
desfragmentando-a para depois recompo-lá em cenas. É visível a preocupação dos
roteiristas em contextualizar as motivações do protagonista João de Santo Cristo
(Fabrício Boliveira). Os flashbacks, por exemplo, são utilizados principalmente
por esta razão.
Os roteiristas dão o embalsamento dramático necessário aos personagens da
mítica letra de Renato Russo além de inserir novos. Nas mãos da dupla
Bernstein/altherino os personagens e as situações da epopeia dramática ganham
força alem da música que inspira o filme.
Os roteiristas reforçam a todo momento as diferenças sociais que separam
os protagonistas João (Fabrício Boliveira) e Maria Lucia (Isis Valverde). Além de
destacar a rivalidade social e econômica que separam os traficantes Pablo (César
Trancoso) e Jeremias (Felipe Abib) que se transformará em uma disputa amorosa
por Maria Lucia.
A trilha de Philipe Seabra e Lucas Marcier utiliza-se de diversos gêneros
para compor a saga de João de Santo Cristo. A música dotada de certo lirismo dão
o tom de Road movie que o filme necessita em muitos momentos.
O elenco possui boas atuações ao todo com atores que se destacam por
menor que seja a sua participação. Fabricio Boliveira soube carregar esse
personagem tão mítico na cultura popular e que é o reflexo social do Brasil.
Boliveira trabalhou as nuances do seu personagem bem como as suas motivações para
torna ló crível. Um talento.
Ísis Valverde é uma grata surpresa
na pele de Maria Lúcia. Tenho que admitir que fui contrario a ideia da atriz
interpretar a personagem imortalizada na letra de Renato Russo, mas Isis arrebata
o público ao imprimir força na patricinha brasiliense e a atriz foge de todas
as armadilhas (e olha que são muitas que seu papel desencadeia). Assim, a atriz
foge do lugar-comum ao dar ao seu papel nuances desafiadoras e de bravura
extrema.
Felipe Abib constrói Jeremias como um playboy mimado, inconsequente,
violento e acima de tudo viciado. Jeremias é dotado de um sentimento de posse e
controle sentimentos que Abib imprime ao seu vilão com maestria.
Marcos Paulo que fez sua ultima participação no cinema (ele faleceu em
novembro do ano passado) tem uma participação de suma importância na história
como Ney, o senador Pai de Maria Lucia (Ísis Valverde). Marcos empresta ao
personagem uma grandeza social quase aristocrática sendo responsável pela divisão
social que separa Maria Lucia de João (Fabrício Boliveira).
César Trancoso dá vida a Pablo o primo traficante de João que o acolhe e
o introduz no tráfico assim que ele chega a Brasília. César insere trejeitos ao
traficante de gosto duvidoso, tendo o ator uma imensa presença cênica que
abrilhanta o filme. A própria dicção do ator de sotaque espanhol da um tom
caricatural que é muito bem vindo ao personagem.
A saga social de Renato Russo finalmente ganha um filme a sua altura com
uma produção elegante e audaciosa. Tão audaciosa que arrebata o público que
implora para que não acabe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário